POESIAS TABAGISTAS: Cesare Pavese, Dois Cigarros, dois amigos!
Enfim, os amigos passaram a contribuir com esta seção do MIOPIA pela qual tenho especial apreço, a POESIAS TABAGISTAS.
O processo já se dava involuntariamente, tragava aqui e acolá, textos e menções de amigos mais chegados, mas agora estes colegas endereçam-me matéria prima afim para alimentar de fumaça nossos pulmões cansados.
O meu amigo e poeta EMERSON SITTA, incitou-me a lançar uma nova edição, menos espaçada do que o normal, da presente seção.
Tabagistas não praticantes costumam ser generosos. Eles parecem gratos, nos retribuindo o favor que prestamos a eles adicionando fumaça de qualidade em sua mistura gasosa.
É o caso do poeta e tabagista simpatizante EMERSON SITTA, enviando o poema. É o caso de nosso outro colaborador de hoje, JOÃO ANTÔNIO BUHRER ALMEIDA, enviando as imagens.
Assim ficou fácil como o vício… difícil resistir…
Emerson já protagonizou POESIAS TABAGISTAS em outra ocasião, AQUI, e João Antônio Buhrer Almeida vem emprestado da nossa mais nova seção, os “INCRÍVEIS ARQUIVOS DE JOÃO ANTÔNIO BUHRER ALMEIDA”.
Que a Stasi tucana não nos ouça, mas está em operação, toda quarta-feira à noite, uma roda de fumo em frente ao SESC Campinas, paralela a uma roda de leituras, coisa altamente subversiva e, João Antônio Buhrer Almeida, está envolvido…
Não, não venham com paus-de-arara ou eletrochoques!
Nunca entregarei os restantes companheiros!
Até dia 6 de agosto, sigo fumando até a última guimba…
DOIS CIGARROS
Cada noite é uma libertação. Os reflexos do asfalto
se destacam nas ruas que se abrem brilhantes ao vento.
Cada raro passante tem rosto e uma história.
A esta hora não há mais cansaço: milhares de postes
estão lá para quem passa e precisa riscar o seu fósforo.
A chaminha se apaga em frente à mulher
que me pede um fósforo. Apaga-se ao vento,
e a mulher, que se frustra, me pede um segundo,
que se apaga. A mulher então ri, acanhada.
Onde estamos podemos falar e gritar,
que ninguém nos escuta. Erguemos a vista
para as muitas janelas – com olhos que dormem –
e esperamos. Então ela encolhe seus ombros
e se queixa da perda da echarpe bonita
que a aquecia nas noites. Mas basta apoiar-se
contra a esquina que o vento de chofre arrefece.
Sobre o asfalto roído se vê uma guimba.
Essa echarpe viera do Rio, mas diz a mulher
que está alegre por tê-la perdido porque me encontrou.
Se a echarpe viera do Rio, cruzou muitas noites
o oceano inundado de luz, em algum transatlântico.
Sim, em noites de vento. É o presente de algum marinheiro.
Já não há marinheiros, e a mulher sussurra
que, se subo com ela, me mostra sua foto,
cacheado e queimado. Zarpava em imundos vapores
e cuidava das máquinas: sou mais bonito.
Sobre o asfalto estão duas baganas. Olhamos pro céu:
a janela lá em cima – me aponta a mulher – é a nossa.
Mas não há aquecimento. De noite, os vapores perdidos
veem poucos faróis ou somente estrelas.
Abraçados cruzamos o asfalto, tentando aquecer-nos.
..
O poema é do italiano Cesare Pavese e pertence à obra Trabalhar Cansa, COSAC NAIF, 2009, tradução de Maurício Santana Dias.
!TRAGUE SEU POEMA!